O dia que quebrei a perna

Alquimia da Mente – Edição #014

Medo!
Confesso, tive MUITO medo.
Uma dor intensa, inexplicável para se colocar em poucas linhas…

Ainda no ar, antes de cair no chão, o tempo parecia ter congelado.
Milhões de pensamentos invadiram minha mente.
Muitas dúvidas. Muitas perguntas. E zero respostas.

São momentos como este que te fazem lembrar como a vida é frágil.
Você pode ser durão como o aço, mas ainda é feito de carne e osso.

Será que voltarei a andar?
Será que ficarei manco?
Será que nunca mais vou jogar bola?

Fechei os olhos, na esperança de ser um terrível pesadelo.
Abri novamente e ali eu estava, estirado no gramado sem conseguir me levantar.
Uma realidade assustadora.

Este era meu primeiro jogo "profissional" de futebol.
Uniforme próprio, juiz, time contra no campeonato.
Estávamos ganhando de 2x1.

A bola ficou solta no meio de campo.
Corri com tudo para chegar nela.
O adversário também.

Chegaria na sua frente, se ele não viesse de carrinho.
Ele errou feio a bola, mas acertou em cheio minha canela.
Todos escutaram o barulho. Um "CRAC" que tenho até hoje tenho aflição em escutar.

Gritei cinco vezes seguidas: "por que eu?"
Fazia um calor de 40º no Rio de Janeiro.
O gramado pelava como lava vulcânica.
E meu sangue estava quente.

Não aceitava como poderia sofrer tamanha injustiça.
"O que fiz para merecer isso?" – a raiva tomada conta de mim.

Durante dez anos seguidos nunca perdi um final de semana jogando bola.
Minha melhor memória da infância era meu pai levando eu e meu irmão para bater bola no clube. O futebol representava alegria, vitalidade, energia.

Quantas vezes desci sozinho para treinar dribles, chutes e lançamentos?
Quantas vezes fui ao estádio assistir a Estrela Solitária?
Quantas vezes sonhei que estava jogando bola?

Olhei para minha perna e vi que a fratura era séria.
Havia fraturado a Tíbia e Fíbula, os dois ossos da canela.

Sirene de Ambulância

Você acha que conhece bem o barulho de uma ambulância...
... Até perceber que ela está indo em sua direção.
Ao invés de alerta, você sente alívio.

Após meia hora no chão, o SAMU chega e os paramédicos tiram com cuidado minha chuteira, me imobilizam na maca e me colocam dentro da ambulância.

Dois amigos (Rafa e Dani) avisam meus pais e me acompanham no trajeto até o hospital, onde sou levado para uma sala de espera.
Minha mãe entra correndo no quarto e desaba no choro ao ver minha perna torta.
"Vai ficar tudo bem mãe, não se preocupe." – digo sem compreender a a real verdade naquelas palavras.

Um enfermeiro entra com uma tesoura e uma longa faixa.
Sem aviso prévio, ele corta o meião e levanta minha perna quebrada como se fosse um bambu.

A dor é insuportável.
Solto um grito do fundo da minha alma.
Ele parece não ligar. Enfaixa rapidamente toda minha canela e desaparece.

Meia hora se passa e nada.
Começo a alucinar. Vejo luzes piscando no teto.
Meu corpo esfria, a respiração enfraquece, o pensamento desacelera.

Recebo uma injeção de morfina.
Continuo dopado, mas agora a dor é controlável.
Ouço uma voz: "vamos levá-lo para o centro cirúrgico".
Tudo fica preto. Não lembro de mais nada.

Várias horas depois, acordo na cama de um confortável quarto de hospital.
Vejo meu pai, mãe e irmão ali comigo.
Não sinto absolutamente nada do umbigo para baixo.

Tenho vontade de urinar, mas não consigo.
Chamo uma enfermeira e ela enfia a ponta de uma seringa onde nunca imaginei ser possível. Funciona imediatamente.

Ali, naquele breve momento, me senti impotente.
Não conseguia urinar sozinho.
"Que futuro me aguarda?" – pensei sobre esta dependência.

Logo depois, olho para minha família e digo:
"Alguém pode me trazer o livro que estava lendo?"
Ouço risos. Acho que perceberam meu estado retornando ao normal.

Reaprendendo a andar

A cirurgia foi um sucesso.
Uma haste de titânio. Quatro parafusos. Mais de vinte pontos.

O médico me avisa que tive sorte pelos ossos terem quebrado e não estilhaçado.
Tive alta já no dia seguinte.

A recuperação é, de longe, a pior parte.
Na primeira semana, repouso total.
Uma rotina de cama, muleta e banho.
E, claro, muitas gazes, injeções e novas alucinações.

Hematomas, inchaços e pontos dão novas cores para minha perna.
Além do branco natural: vermelho, amarelo e preto.
Veja uma foto aqui. (imagem sensível)

Após um mês, consigo voltar a andar com ajuda de duas muletas.
Após três meses, largo uma delas.
E com quatro meses, volto a mancar.

Olho para minhas pernas. A diferença é inconfortavelmente visível.
A esquerda, normal. A direita, atrofiada. Com a largura do meu braço.
Então, volto para a academia e fisioterapia com uma missão: reaprender a andar.

Reflito sobre como damos por garantido muitos aspectos da vida.
Respirar, enxergar, ouvir, sentir... e andar.
Quatro meses sem movimentar uma perna e ela parece um braço.

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